sábado, 12 de dezembro de 2009

            Se tu viesses ver-me...




                         Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
                         A essa hora dos mágicos cansaços,
                         Quando a noite de manso se avizinha,
                         E me prendesses toda nos teus braços...


                             Quando me lembra: esse sabor que tinha
                             A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...


Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri



E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
      E os meus braços se estendem para ti...



                                                              Florbela Espanca


segunda-feira, 23 de novembro de 2009

A minha aldeia


O nevoeiro da véspera à noite fez-nos desistir da viagem. Chegámos à hora do almoço, já o sol se tinha tolhido e assomava debaixo do chumbo das nuvens. Ela chegou e avisou que, se fôssemos logo, apanharíamos a procissão e a banda, dali a nada, a passar na casa lá de cima.Devidamente agasalhados subimos à aldeia, mesmo a tempo. Os miúdos estranham e interessam-se, fazem perguntas. Uma ignorância que me surpreende. Geração alheada dos rituais religiosos, familiares mesmo aos não-crentes da nossa. Como se chamam aqueles homens das igrejas, mãe? Os padres? Isso. Aponta o pálio. Então aquele deve ser um, pelas roupas. Tia, porque estão eles a falar todos ao mesmo tempo? Estão a rezar. Três santos pré-púberes em terilene muito branco, com cordões na cintura, um anjo com asas de peluche e duas nossas senhoras, miniaturas da que vai sobre o andor, concentram as atenções.Vamos todos, entre a curiosidade silenciosa deles, pontuada por perguntas segredadas, e o cheiro a cedro, libertado pelo pisar dos pés sobre os ramos que decoram a rua. Orações adiante ouvem-me cantar baixinho, palavras que entoam a mesma música que os instrumentos. Falam da Virgem Maria. Estranham nunca terem aprendido aquela canção de Natal.O meu adolescente está a levar tudo muito a sério, apreendeu que se passa ali qualquer coisa de suma importância. Rostos solenes, os músicos de todas as idades, qualquer coisa no ar. Densidade leve. Talvez lhe pareça que Deus, em quem acredita por descoberta pessoal, anda por ali. Fica mais crescido e oferece a mão aos pequenos, quer tomar conta, mostrar.Que barulho é este, mãe? Foguetes, filho. Mas não vejo o fogo de artifício… Uma salva, filho. Como as palmas, mas com foguetes. Só pelo barulho. Só?! Que raio de desperdício. O grupo regressa, a caminho da igreja. A princesa vai pela mão do primo ver as pequenas nossas senhoras uma vez mais. Cobiça, ao meu ouvido, uma coroa igual à delas, enquanto a mãe e a avó a procuram com os olhos, o carrinho de bebé retido pela procissão de permeio.Beijamos a bisavó, de caminho, e voltamos para casa, pois o primo que falta há-de estar quase a chegar. À noite, chove que chove. As árvores estão muito claras. Sou mãe e sou filha. É sempre disto que me lembro por causa do menino Jesus, o melhor de todos os santos populares.



segunda-feira, 16 de novembro de 2009